TÍTULO: Vida Social Macaense LOCAL: Macau DATA: 1990 INFORMANTE SEXO: F IDADE: 46 anos ESCOLARIDADE: 11 anos PROFISSÃO: Gerente do Clube de Macau OBSERVAÇÕES: A informante nasceu em Moçambique, filha de pais macaenses. Foi para Macau aos 12 anos, e ali reside desde então. - e nunca pensou fazer um livro com as suas receitas? -> não, senhor doutor, porque já há aí muitos e além disso as comidas macaenses variam muito de pessoa para pessoa, quem as faz, porque uns metem is[...], metem este tempero, outros metem outro e como sei que em Macau gostam muito de criticar, não, não, não pensei fazer. - mas é uma pena. -> é uma pena mas já há muitos! já há muitos livros com receitas macaenses. - sim, mas... -> já! - mas cada cozinheira tem a sua maneira especial de... -> isso é verdade. mas não tenho assim também receitas tão especiais para fazer um livro. quer dizer, iam, íamos repetir o que os outros livros também têm - pois -> é. - mas deve ter alguns pratos que são só seus, com certeza. -> não, doutor, não temos nada - não. -> assim, porque a comida macaense também não é muito vasta. - pois. -> é uma mistura - pois, pois. -> de, de comida portuguesa, comida indiana, comida de m[...], mala[...], da Malaca e de, des[...], desta parte aqui, é uma mistura. - pois, eu lembro-me -> é. - que esta galinha à portuguesa, por exemplo, em Portugal nunca vi este prato. -> tanto assim que nós quando abrimos o Riquexó nunca pusemos comida, eh, galinha à portuguesa, pusemos sempre galinha à Macau. - à Macau. -> porque co[...], galinha à portuguesa não há, não é dé[...], não é assim feita. - pois, pois, pois, pois. -> pois claro, nunca pusemos. - e portanto, ao longo deste tempo todo tem preparado muitas festas, não é, -> sim, nós estamos, olhe, no Riquexó abrimos em mil novecentos e setenta e oito, já ali fazíamos festas de aniversário e tudo, mas claro, o, ah, o Riquexó é um sítio assim mais pequeno, não dá para muita gente e tudo. agora aqui no Clube de Macau que já é tradicional para festas macaenses de casamentos e tudo - pois. -> temos já feito muitos, desde mil novecentos e oitenta e dois, o Clube de Macau. - hum, hum. -> é. - e por falar em festas, eu gostava de lhe perguntar uma coisa: diz-se que há uns anos atrás havia muitas festas aqui no Clube de Macau... -> havia, havia... muitas festas, porque antigamente talvez, bem, isso eu agora não posso falar porque eu nasci em Lourenço Marques. - ah! -> eu nasci em Lourenço Marques. - ah! nasceu em Lourenço... -> só vim com doze anos para Macau. - para Macau. -> de forma que também já não apanhei essa época das festas que cá havia porque isso, tenho a impressão que foi, era na altura em que o meu pai e a minha mãe eram j[...], eram jovens. - pois. -> só nessa altura, eles é que casaram, foram para Lourenço Marques. eu quando vim já estava bastante, bastante morto essa, essas festas. não, não havia assim muitas. e com a vinda do meu pai de Lourenço Marques começou-se a reviver os Carnavais, as peças de teatro em patois. - pois. -> em mil novecentos e cinquenta e cinco, começaram-se a fazer festas em casas particulares, de Carnaval, com cortejo na rua e tudo, em mil novecentos e noventa e cinco e depois - em cinquenta e cinco. -> até sessenta, até sessenta, sessenta e tal ainda hou[...], ainda continuaram com estas festas. depois foram morrendo, pouco a pouco. - porque será que isso aconteceu? -> acho que falta de pessoas que quisessem até porque, eles representavam, faziam uma peça de teatro com o senhor, ah, ah, ah, Santos Ferreira - hum, hum. -> José Santos Ferreira, faziam peças de teatro e... acho que depois as pessoas não, não, não, não queriam, não, não s[...], não queriam representar ou coisa assim, quer dizer, aquela, aquela, aqueles que, que se prestavam a isso, como o meu pai e várias pessoas da, da, da idade dele, digamos - pois. -> ainda e[...], faziam essas, essas peças. depois as outras pessoas mais jovem, já ninguém... se prestava a isso - pois. -> e depois também não sabem falar já o patois. - pois. -> porque depois, quer dizer, ah, o patois é aquel[...], é a tal, é a língua macaense antiga. depois vieram, começaram aqui os liceus e tudo, começam a falar português ou o chinês e depois fazem uma mistura - pois. -> de português e chinês que nem sequer é o patois. - pois. portanto -> pois é. - o patois hoje em dia já ninguém percebe. -> não. perceber, percebe-se, porque eu acho que o patois é uma língua que se percebe mas já ninguém fala. - pois. -> já ninguém fala... esse. - portanto essas festas acabaram e então os macaenses o que é que têm em substituição dessas festas antigas, o que é que fazem agora como passatempo? -> ah, eu não faço ideia, mas acho que a televisão absorve agora as pessoas. - pois. -> tenho a impressão que sim porque antigamente o Clube de Macau, além das festas tinha jogos, vinham para cá todos os fins-de-semana, ou mesmo depois da, das cinco, depois da repartição, vinham para cá jogar, eh, majongue, jogar... cartas, havia muito convívio, no Clube, agora não, o Clube está morto. - pois. -> está morto. - eh, o facto de deixarem de estar cá os militares não terá tido também alguma influência nessa...? -> acho que não, acho que a vida também mudou, a vida em si mudou. tanto assim que mesmo acho que em Portugal também... - pois. -> devido aos modernismos - é. -> à televisão e depois pode-se alugar um vídeo e pode-se, quer dizer, isto tudo acho que contribuiu - pois. -> para as pessoas não se darem assim, não conviverem tanto assim num clube ou coisa assim. - pois, pois, pois. bom, como disse, [...], a vida transformou-se muito em Macau, em Portugal, em toda a parte. eh, na sua opinião, esta transformação de Macau tem sido para melhor ou para pior? -> eu acho que pelo menos levamos uma vida mais independente, agora. - sim. -> levamos uma vida mais independente. eh, acho, que eu também não posso falar assim muito, porque não era do meu tempo - pois. -> o vir jogar a canasta, o vir jogar o majongue e vir isso, mas acho que nessa altura há mais fofoquices, não é, junta-se muita gente - pois. -> e depois falam disto e falam di[...], agora as pessoas nem têm tempo para isso. a meu ver eu acho que já não há tempo para isso. cada um tem a sua vida, vai para o trabalho, vai para casa, é uma vida mais independente. é diferente. - pois. ah, a canasta, a canasta é uma coisa que eu agora [...] -> que veio de Portugal. - que veio de Portugal? -> veio um jo[...], é um jogo que veio de Portugal. - mas agora não se ouve se[...], esse nome sequer. -> é assim, é. já ninguém joga, já ninguém joga quase, e pouca, pouca gente. - hum, hum. -> as pessoas jovens de hoje em dia já têm outro, outra vida que, que nem dá para aprender para jogar canasta, não têm tempo para jogar à canasta. - hum, hum. -> mas isso é dos tempos ainda da minha mãe e tudo, porque eu, eu própria também já não jogo, nem sei jogar. - não sabe jogar canasta? -> não sei jogar canasta e majongue... mal e porcamente. - bem, mas as pessoas de cá geralmente gostam muito, não é, -> mas não, eu nunca me entusiasmei assim para jogos, de forma que é mais, e acho que foi a época dos meus pais. - hum, hum. -> é que, nessa altura é que jogavam. - agora uma coisa que acontece, eh, hoje, o Hotel Bela Vista também fecha as suas portas definitivamente. -> é verdade fech[...], fechou - fechou. -> ou fecha hoje. fecha hoje. - acho que f[...], hoje ainda há um jantar... -> ah, então fecha hoje. - pois. -> exactamente. - mas penso que o jantar hoje é por convites. já não é... propriamente... -> tenho a impressão que sim. - pois. é também mais uma etapa de Macau que, que acaba. -> mas vai ser renovado, não é, - hum, hum. -> vai ser todo restaurado. - pois, vai ser restaurado, mas isso implica, ah, tornar-se inacessível ao público que lá ia, de um certo modo. -> não sei porquê, porquê? - eu ouvi dizer que se vai transformar no hotel mais caro de Macau. -> ah! bem, em questão de preço, mas eu tenho a impressão - pois. -> que eles vão, ah, tentar ficar a traça antiga. - hum. -> não é? - ouvi dizer que sim. -> pois é. - não percebi. -> bem, sendo o mais caro... - pois. -> pois é. - porque é um sítio onde, eu pessoalmente, de vez em quando ia lá tomar um café, assim nesta altura que o tempo é bom [...] mas agora... -> pois, pois, que é fresquinho... - na varanda. -> na varanda. - ah, quando se transformar numa coisa de luxo, é diferente, não é, -> vai ser mais difícil, não é, - não é só a questão do preço -> pois. - é que a pessoa já não vai de qualquer maneira, não é, -> pois é. exactamente. - tem que se vestir. -> mas eu tenho a impressão que, isso não sei, sabe que os ou[...], todos os hotéis ao fim e ao cabo também são caros cá em Macau. - pois são. -> são. para tomar um café - sim. -> são logo dezoito patacas - patacas. -> ou coisa assim. - ou mais. -> deve ser assim mais ou menos. e de vestir, eu tenho a impressão que não deve haver assim tanto rigor. - pois, cá em Macau nunca se formaliza tanto. -> não. - não é, -> exactamente, como em qualquer outra parte do mundo. - pois. -> quando é um bom hotel, a pessoa tem que ir vestida, mas cá em Macau e Hong Kong mesmo também não... - pois, a pessoa pode ir ou bem ou mal... -> é verdade, é. - ninguém presta muita atenção. -> é sim senhora.