Jarbas's picture
Upload 175 files
b2f76ea verified
TÍTULO: As Mornas
LOCAL: Cabo Verde - S. Vicente
DATA: 1995
INFIRMANTE:
SEXO: M
IDADE: 54 anos
ESCOLARIDADE: 4 anos
PROFISSÃO: Marinheiro
- portanto, estava-me a dizer, eh, estávamos a falar sobre a origem da palavra "morna".
-> sim. eh, dizem que a palavra "morna" nasceu de, do vocábulo "mourni[...]", "mourning", eh, quer dizer que as pessoas que, que cantavam não cantavam, quer dizer, eh, sabe que às vezes quando no[...], eh, [...], como se diz, na, quando, eh, aconteceu que morreu alguma pessoa
- sim
-> etc., então o inglês d[...], o inglês diz "they are mourning"
- hum, hum.
-> estão no sentimento do morto, etc.
- hum, hum.
-> e então dizem que o senti[...], o senti[...], o sentimento, o canto da morna
- hum, hum
-> saiu foi destas raízes.
- hum, hum.
-> eu não sei se é verdade ou se é mentira. mas, eu digo, eu posso reproduzir aquilo que os mais velhos
- hum, hum.
-> disseram. eu não sei se é verdade. mas, eh, eu acho, eu acho que até certo ponto pode ser isso
- hum, hum.
-> porque, eu não vejo nenhum, nenhum vocábulo ligado à morna. bom, mas o que eu posso dizer é que a morna é realmente cabo-verdiana
- hum, hum.
-> que, os mais velhos dizem que a morna nasceu na, na ilha da Boa Vista
- hum, hum.
-> depois passou para a Ilha Brava e depois São Vicente, porque essas três ilhas têm, têm um contexto muito diferente, eh, no ritmo e na melodia da morna. eh, é natural que, que essa ideia de que esta palavra "morna" tenha vindo
- hum, hum.
-> a sua origem da, da palavra "mourning"
- a mim faz-me sempre uma certa confusão, eu sou dos Açores e nos Açores nós temos uma palavra "mornaça". e mornaça significa estar assim... a, a conversar assi[...], mas assim uma conversa mole, sem fazer nada. e eu
-> sim
- na minha cabeça f[...], estabeleço sempre uma certa ligação... a morna c[...], assim o ambiente, um ambiente... não é calmo, não sei...
-> pode ser, mas, eh, eu não posso, quer dizer, eu não sei dizer directamente, porque, sabe que a nossa história tem muito para contar, não é,
- hum, hum.
-> nunca, a história nunca foi contada devidamente, porque... claro que não foi escrita muito bem claro e etc.
- hum, hum.
-> há coisas que ultrapassam.
- claro! e qual é o interesse dos jovens actualmente por, por essas r[...], por essas raízes, ao fim e ao cabo?
-> eu acho que estamos a regressar às raízes.
- hum, hum.
-> há algum tempo que eu estou notando se, que... a juventude está-se a interessar
- hum, hum.
-> pela, pela, pela nossa cultura. eh, havia alguns anos atrás que estavam, estavam, quer dizer, um bocadinho afastados, mas agora estão a regressar, porque, quer dizer, isso é um fenómeno mundial. isto há, isto é mundialmente, agora neste momento, neste preciso momento, quase todas as nações do mundo estão a regressar. pelo que eu tenho visto é assim. através de rádios e gravações que eu tenho, que eu tenho acompanhado, estou a ver que quase todas as nações do mundo estão a regressar às raízes. e Cabo Verde também está a regressar, muito embora que há uma certa margem de juventude que acho, eh, querem estar ligados a, a coisas modernas, que não nos pertence. pertence a ou[...], a outros povos, a outras, a outras nações, etc., mas felizmente que o que estou a ver que há, há pessoas aqui na juventude que estão interessados mesmo pela raiz da cultura cabo-verdiana.
- hum, hum. e, e há, há, há estruturas para corresponderem a esse interesse dos jovens pelas raízes?
-> essas estruturas estão um bocadinho fracas.
- hum, hum.
-> estão um bocadinho fracas. eu não sei se é por falta de finanças ou é, ou é, se é por falta de... cultura no seu eu ou se é, ou não sei p[...], o que é que é esse fenómeno.
- hum, hum.
-> mas, eh, temos muito que andar para chegar, para chegar até lá. porque... a nossa cultura aqui está um bocadinho enfraquecida mas, eu digo t[...], talvez por desinteresse ou talvez por falta de dinheiros.
- hum, hum.
-> eu continuo fazendo a minha parte
- hum, hum.
-> agora o resto eu não sei.
- bom, cada um que faça a sua, não é,
-> sim.
- diga-me uma coisa: mas, por exemplo, no que toca às mornas, eh, isso exige uma aprendizagem, não é, não é de um dia para o outro que a pessoa diz "vou escrever uma morna" não há assim rapa[...], jovens à sua volta que tentem captar o espírito?
- tem regras, não é,
- tem as suas regras?
-> sim, mas, eh, nem, nem, nem, eh, isto é, isto é mais, quer dizer, como posso dizer? eh, eh, eh, isto é mais autodidáctico.
- hum, hum.
-> eh, é u[...], é uma experiência autodidáctica, aqui
- hum, hum.
-> em Cabo Verde. alguns às vezes chegam, vão perguntar-me como é, como é que eu comecei a fazer mornas, como é... o meu interesse, etc.
- hum, hum.
-> eh, alguns têm interesse a aprender e outros não. mas, isso é, a maioria, a maioria aprende a fazer um mi menor ou um ré menor no violão, pronto, já sabe muito, e vai fazer, vai, vai compor e às vezes, vai escrever uma coisa que não está dentro de, da nossa tradição. por não ter aprendido, sabe,
- hum, hum.
-> quem não, não estudou não aprendeu. eh, eles têm boa vontade.
- hum, hum.
-> eles têm boa vontade. mas é que esta boa vontade não está bem dirigida. eu espero que no futuro as coisas tornam de uma maneira diferente para que eles cheguem onde querem.